quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

ATENDIMENTO A EMERGÊNCIAS HÍDRICAS

 



Numa emergência médica, o paciente vai para um pronto socorro onde recebe os primeiros cuidados. Sendo grave o seu estado, ele é internado numa Unidade de Tratamento Intensivo – UTI, monitorado com aparelhos sofisticados e atendido por médicos  especializados. Quando melhora, é levado para uma unidade de tratamento semi-intensivo e depois para um quarto. Quando recebe alta, vai para casa e lá continua seu tratamento.

Nas emergências hídricas, na iminência de um colapso no abastecimento, o pronto socorro é feito em salas de crise. Salas de crise são criadas quando se acendem sinais de alerta ou alarme nos dados de chuva e vazão  que são coletados sobre as bacias brasileiras. Desde que foram criadas,  realizaram-se centenas de reuniões. Ali acumulou-se experiência em lidar com  eventos críticos e em resolver conflitos. São  eficientes  para o tratamento de emergências e urgências. 

As salas de crise  atuam com um horizonte  de tempo curto, que inclui os próximos dias ou semanas, em função da situação conjuntural e das  circunstâncias. 

Elas são espaços para encontros híbridos, virtuais e presenciais, nos quais participam os principais atores e instituições relacionados com a gestão da água numa bacia que entrou em estado crítico, seja por falta ou excesso dela,seja devido à ocorrência de acidentes e desastres. As abordagens variam, conforme as características de cada bacia: em alguns casos é necessário mudar a operação de reservatórios para liberar ou reter água (São Francisco, Paraná, Tocantins). Em outros casos, lida-se com as secas e as enchentes (rio Madeira, Pantanal) e suas consequências, como por exemplo a interrupção de rodovias ou os incêndios florestais.

Nas salas de crise se divulgam informações qualificadas. O CEMADEN - Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, com visão interdisciplinar e aplicada, apresenta  as perspectivas para os próximos dias. O ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico - apresenta como os reservatórios estão sendo operados nos vários subsistemas regionais no Brasil e o quanto de energia está sendo exportada ou importada de um sistema para o outro. O INEMET - Instituto Nacional de Meteorologia faz previsão do tempo para os próximos dias e semanas a partir de modelos europeu, americano e outros. Fazem-se previsões climáticas, avaliam-se as perspectivas de chuvas e a chegada de frentes frias, num horizonte  previsível de 15 dias. Na medida em que se aprimoram os modelos climatológicos e meteorológicos reduzem-se as imprevisibilidades. 

A base de dados e de informações de boa qualidade é fundamental, para que a partir dela se construam os consensos necessários. No início de  cada reunião das salas de crise, são expostos com objetividade os dados e informações relacionados com a chuva e a vazão naquela bacia nos próximos meses. Esse nivelamento prévio de informações entre os participantes oferece um patamar comum a partir do qual pode-se propor como  solucionar os problemas diagnosticados.  Fala-se em linguagem técnica, com todo um vocabulário de hidrologuês: modelagens, curvas de segurança, afluências e defluências, modelo curva-vazão, afluências incrementais, evaporação em reservatórios. Apresentam-se gráficos, mapas, modelos, cenários climatológicos, meteorológicos e previsões.  Fala-se em energia armazenada e energia excedente, em região importadora e exportadora de energia, fechamento e abertura de comportas em reservatórios, simulações, vazão prevista, política de defluência, perspectiva de evolução do volume do reservatório. 

Enquanto há crises e emergências, a frequência de reuniões precisa ser maior, diária ou semanal, pois a agilidade é essencial para enfrentar situações mais graves. Quando passa o período crítico, a sala de crise se transforma numa sala de acompanhamento. É quando a bacia  hidrográfica sai da UTI e vai para um tratamento semi-intensivo, com monitoramento para acompanhar seu estado de saúde. 

Acidentes e desastres geram a necessidade de criar salas de crise especiais. Na véspera do Natal em 2024 desabou uma ponte sobre o rio Tocantins. Caminhões carregados de ácido sulfúrico e de agrotóxicos caíram no rio. A ANA criou uma sala de crise específica para monitorar esse acidente. Foram chamados a participar diversos atores institucionais, entre eles o IBAMA e os órgãos ambientais estaduais e locais, o operador nacional do sistema elétrico (ONS), a Defesa Civil, o Ministério Público Federal, o CEMADEN, o ministério da Saúde, o DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte, a Marinha, as empresas transportadoras dos produtos perigosos, entre outros atores. As salas de crise tem flexibilidade para convidar todas as partes setoriais e oferecem um espaço propício para o nivelamento de dados e informações. Esse trabalho colaborativo e participativo, de comunicação entre atores variados, proporciona as condições para se formular o conhecimento necessário para lidar com o desastre e suas consequências. Procura-se dar respostas às inúmeras questões que surgem: Quando devem ser  retiradas do fundo do rio das bombonas com os produtos tóxicos, em função das perspectivas de vazões do rio? Como evitar boatos e informações falsas? Como  comunicar às populações nas vizinhanças o que está sendo feito? Como ela pode se proteger, evitando o pânico e as inquietações que acontecem quando há uma comunicação falha?

Tanto nas salas de crise como nas salas de acompanhamento uma informação crucial é sobre a água em estado meteórico. A água na atmosfera é o elemento fundamental nessas análises pois ela influi nas cheias e secas bem como nas vazões dos rios. Compreender a água na atmosfera é uma ciência cada vez mais estratégica.

As salas  de crise foram testadas durante anos e constituem uma experiência positiva em lidar com eventos críticos e com emergências hídricas. Até o presente, nas salas de crise não se propõe interferir  na quantidade de água na atmosfera por meio de geoengenharias ou hidro engenharias, bombardeamento de nuvens etc. Entretanto, no futuro, pode ser que o gerenciamento integral do ciclo da água venha a incorporar esses instrumentos e técnicas.

Questões críticas  emergentes, como as secas que se repetem na bacia amazônica, exigem criar e aplicar novos instrumentos, como as declarações de estado de escassez hídrica. Em 2024 foram emitidas tais declarações para a bacia do rio Tapajós, do Xingu, do Madeira, do Purus, na Amazônia e do rio Paraguai no Pantanal.

Num mundo em que cada vez mais ocorrem emergências climáticas, hídricas, ambientais e de outros tipos, as lições aprendidas com as salas de crise são valiosas para dar respostas a esses eventos críticos que se multiplicam. A crise climática planetária atual pode estar exigindo a criação de uma sala de crise permanente e global, para lidar de modo responsável e competente com a gestão integral do ciclo da água.


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